A Stora Enso, gigante sueco-finlandesa da indústria “florestal”, está conquistando o Brasil em alta velocidade. A ação envolve múltiplos problemas, mas nem os acionistas, nem os consumidores parecem peocupados. A América do Sul poderá ser um Oeste Selvagem para a indústria do papel, baseada no eucalipto?
Há cerca de uma década, o exótico eucalipto foi o imã que atraiu os gigantes ocidentais da indústria florestal e do papel para o calor das disputas por terra, corrupção e acusações de crime ambiental na América do Sul e no Extremo Oriente. O desejo eram lucros rápidos.
A produção desloca-se para o Sul, mas o centro de decisões permanece no Norte distante. Neste arranjo, é impossível controlar todos os elos da cadeia de produção. Há sempre pontos cegos. A informção sobre problemas nas plantações do Sul quase nunca chega aos ativistas ou à midia do Norte. Quando isso acontece, a falta de contexto torna impossível desencadear as ações necessárias. Políticos, acionistas e consumidores do Norte ficam sem condições de atuar.
Esta desconexão fez do Sul, durante uma década, o Oeste Selvagem para a indústria de reflorestamento. Quando as leis eram violadas, ou as tensões locais transformavam-se em conflitos, não havia, nos países-sedes, riscos de demissão de dirigentes nem de boicotes de consumidores.
A Stora Enso, finlando-sueca, é uma das muitas grandes empresas que migraram para o Sul, em busca de matérias-primas baratas. É também uma das grandes companhias obrigadas a enfrentar o fato de que os tempos de Oeste Selvagem estão terminando. ONGs suecas e finlandesas e estão somando forças para que a opinião pública dos dois países preocupe-se com a imagem da empresas. Ela responde com uma campanha agressiva de lavagem de imagem.
Com o enorme crescimento das plantações destinadas à produção de celulose, é pouco provável que as disputas entre as corporações e os camponeses se atenuem. Porém, estas disputas envolveram, na última década, muito mais que disputas locais, no Sul ou no Norte. Elas dizem respeito a uma batalha constante sobre o controle de o que atrai a atenção da mídia no Norte e o que ocorre de fato no Sul.
Storalândia, Brasil
No sul do Brasil, a companhia nórdica de reflorestamento reina. Conflitos nas plantações, eleições para governo do Estado e violência contra pequenos agriculturoes são fios da mesma meada
Dia Internacional das Mulheres, 2008. Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.
Trabalhadores em latifúndios protestam contra as plantações de eucalipto da Stora Enso. Segundo o Movimento dos Sem-Terra (MST), a empresa driblou as leis do país para comprar vastas áreas para suas plantações. Ao final de estranhas aquisições, dois executivos da empresa tornaram-se os dois maiores proprietários de terra do Estado. Por meio de uma companhia de fachada, eles possuem 45 mil hectares de terra que a Stora Enso não poderia legalmente adquirir.
A manifestação termina com um ataque da polícia militar. Quase cem trabalhadoras rurais são feridas por balas de borracha e bombas. A operação é dirigida pelo subcomantante Lauro Binsfeld, chefe da segurança pessoal da governadora Yeda Crusius.
O incidente é destaque nos jornais da Europa. A Stora Enso desculpa-se na mídia finlandesa, mas permanece em silêncio no Brasil.
Agosto de 2009. São Gabriel, Rio Grande do Sul.
Ao menos trinta sem-terras, que haviam ocupado uma propriedade, são feridos num ataque da polícia militar. Houve casos parecidos na área, antes, mas desta vez a violência é ainda mais brutal. Os presos dizem que a PM disparou contra eles com armas que produzem choques elétricos e os obrigou a passar por um “corredor polonês”. Muitos dos detidos exibem ossos quebrados, ao serem libertados.
A operação, assim com outra em Tarumã, no ano anterior, foi conduzida por Lauro Binsfeld, o chefe de segurança da governadora.
Março de 2010. Costa Dourada, sul da Bahia.
A equpe armada de segurança da empresa Fibria abre fogo contra dois pequenos agricultores que recolhiam lenha. Henrique de Souza Pereira, de 24 anos, morre. Osvaldo Pereira Bezerra tem o braço quebado.
A Fibria e parceira da Stora Enso no sul da Bahia.
Com o crescimento das plantações de eucalipto, pequenos agricultores vizinhos acabam recolhendo lenha nas terras de propriedade das empresas de papel. Em seu press-release sobre a morte de Henrique, a Fibria expressa às autoridades do Estado sua preocupação com o aumento do “roubo de madeira” na área, e requer ações para restringir estas “atividades ilegais”.
Yeda Crusius, a governadora do Rio Grande do Sul, é conhecida pelo apoio que dá às megaempresas e por reprimir os protestos dos trabalhadores rurais. É seguro que, em Tarumã, Lauro Binsfeld recebeu da governadora a ordem de atacar; e é muito provável que o mesmo tenha ocorrido em São Gabriel.
A situação no Estado é explosiva. Há muitos trabalhadores rurais desempregados e cerca de 2,5 mil famílias vivem em barracas. Ao mesmo tempo, as aquisições de áreas por parte de grandes empresas estão reduzindo as terras usadas para cultivo de alimentos.
Para os ativistas, estas aquisições, feitas com por meio de testas-de-ferro, são ilegais. A empresa alega que são uma fase necessária, até que as autorizações para compra definitiva sejam concedidas.
As fábricas de celulose que a Stora Enso e empresas associadas a ela estão planejando, em áreas de fronteira no Brasil, Uruguai e Paraguai, vão requerer imensas plantações de eucalipto. As companhias têm enorme influência econômica na área e fazem lobby permanente para que mudanças na lei permitam-lhe adquirir diretamente as terras. Deste ponto de vista, o apoio de políticos como Yeda é ouro.
Um exemplo concreto: em 2006, a Stora Enso e sua companhia-parceira Aracruz doaram à campanha de Crusius, de acordo com os números oficiais, cerca de 300 mil reais.
Yeda Crusius é apenas uma, ente os muitos políticos brasieliros apoiados pela Stora Enso. De acordo com dados oficiais do TSE, a empresa doou em 2006, junto com a Aracruz e a Veracel (que resulta de sociedade entre Stora e Aracruz) cerca de R$ 1,2 milhões para campanhas de políticos brasileiros. As doações da Stora Enso concentraram-se no Rio Grande do Sul. A Veracruz financiou políticos na Bahia, o Estado em que é acusada por crimes ambientais (Mais tarde, a Veracel foi condenada por desmatamento ilegal no sul do Estado e está sendo acusada de pagamento de propinas, no caso).
Em 2009, a ética das doações da Stora Enso a políticos brasileiros foi finalmente questionada na matriz das empresas – por azar, no mesmo instante em que eclodia um escândalo sobre financiamento das eleições na Finlândia. A situação tornou-se ainda mais desconfortável pelo fato de o Estado finlandês ser, com 30% do capital, o maior acionista da Stora Enso.
O escândalo nos países nórdicos foi tão forte que obteve algo não alcançado pelos movimentos que denunciam a Stora Enso no Brasil. A empresa anunciou que vai interromper as doações a campanhas eleitorais no Brasil.
Yeda Crusius continua a governar o Rio Grande do Sul.
[Veja, nos links a seguir, a lista das doações a campanhas eleitorais e suas parceiras no Brasil, em 2006:
Stora Enso Veracel Aracruz ]
Florestas, mentiras e fitas de áudio
Há poucos anos, a Sotra Enso era uma gigante da indústria florestal conservadora e desajeitada, cuja estratégia de responsabilidade corporativa era permanecer em silêncio. Agora, tudo mudou. O circo midiático montado no ano passado entre a empresa e ONGs brasileiras diz algo não apenas sobre uma campanha agressiva de lavagem de imagem, mas também sobre os pontos cegos da mídia europeia.
Agosto de 2009. Helsingin Sanomat, o jornal-líder na Finlândia publica, em seu suplemento de domingo, uma longa matéria sobre as ações da Stora Enso no Brasil. Os repórteres fizeram um grande trabalho. Porém, algo me surpreende.
O artigo cita João Paulo Rodrigues, representante do MST, quando encontrou-se, um mês antes, como Eija Pitkänen, responsável por sustentabilidade da empresa. “Se a Stora Enso continuar seu projeto, o MST vai provocar mais conflitos, violência e até mortes, que causarão publicidade negativa internacional para a empresa”, teria dito Rodrigues, segundo o jornal.
A imagem construída pelo texto choca-se com minhas experiências sobre representantes do MST. Ameaças de provocar conflitos e sacrificar os próprios agricultores não estão em sintonia com nada que eu tenha ouvido antes deles. Que demônios teriam levado Rodrigues a falar deste modo?
Nas semanas seguintes, a Stora Enso frequentemente usou a citação em suas declarações públicas. Quando a empresa é criticada por suas ações no Brasil, ela brande as supostas ameaças de violência de seus oponentes. O Helsingin Sanomat publica uma resposta de Jouko Karvinen, executivo-chefe da companhia, em que ele ataca um pesquisador finlandês que estudou o assunto. É óbvio, sugere o texto, que o cientista está do mesmo lado dos violentos terroristas.
Até então, os finlandeses não tinham uma ideia clara do que é o MST, mas agora o movimento ganha rápida e notória reputação. É apresentado como um grupo terrorista.
Algumas semanas mais tarde, recebo uma mensagem do Brasil. As notícias sobre a repentina atenção da mídia finlandesa chegaram aos ativistas do MST. O autor da mensagem não pode entender de onde o Helsingin Sanomat obteve a citação. Assegura que Rodrigues não disse nada semelhante, durante o encontro.
Por desconfiança mútua, tanto o MST quanto a Stora Enso gravaram o encontro sem revelar o registro para a outra parte. Ambas as partes tinham prometido que não haveria gravadores e nada das discussões vazaria.
Como as promessas de silêncio já haviam sido quebradas, peço ao MST e à Stora Enso que me forneçam suas gravações. Dessa forma, a verdade poderia ser facilmente verificada.
O MST imediatamente envia-me uma fita de áudio. A Stora Enso recusa-se a fazer o mesmo.
O chefe de Comunicação Corporativa na Stora Enso, Lauri Peltonen, é novo em seu posto. Foi recrutado em 2009, por uma companhia atacada gravemente por publicidade negativa. A transferência da produção de celulose para o Sul provocou críticas ácidas nas duas pontas do processo. A comunicação da companhia durante a crise foi pobre durante todo o processo. Por isso, a Stora Enso aposta em Peltonen, esperando transformações radicais.
Peltonen desempenha bem seu papel. Vejo sua atuação mais tarde, num seminário de comunicações, onde faz uma apresentação sobre “A Stora Enso – uma das companhias mais responsáveis do mundo”. A audiência é constituída de colegas, cuja admiração aberta faz-me sentir um pouco inconfortável.
Depois da chegada de Peltonen, duas coisas sofreram mudanças drásticas. Primeiro, o aumento notável da atenção para a ética e ecologia. A velha Stora Enso não se preocupava muito com isso. Peltonen conseguiu o que antes distante executivo-chefe, Jouko Karvinen, voasse para a China para se encontrar com famílias de agricultores – em frente de câmeras fotográficas, é claro. A influência do chefe de comunicação também se fez notar quando Karvinen celebrou, com ativistas do Greenpeace, um acordo de proteção de florestas na Lapônia. A vitória do relações-públicas não exigiu muito esforço. Foi só uma questão de converter más notícias sobre o fechamento de fábricas e aumento do desemprego em agradáveis fatos “verdes” sobre a proteção das florestas.
A segunda mudança é a crescente agressividade da comunicação de crise da empresa. O incidente da fita gravada é um bom exemplo.
“Somos uma empresa de capital aberto”, diz Peltonen, quando lhe peço que me forneça o áudio do encontro em São Paulo, para checar se a citação do Helsingin Sanomat estava correta. “Uma empresa de capital aberto não pode mentir. No entanto, nossos oponentes não estão sujeitos a tais restrições”.
Peltonen parece ser uma sujeito cordial, mas ao telefone ele mostra-se, agora, surpreendentemente agressivo. Deve ser a característica pessoal de que se fala tanto. Fui colocada em sua lista suja, e ele subitamente parece transformar-se num captador de informações dedicado a seu trabalho – não um chefe de Comunicações.
Também penso: se eu não estivesse tão convencida de seguir a pista certa, desistiria com certeza. A autoconfiança de Peltonen é impressionante.
Não sou autorizada a ouvir a gravação. A desculpa é pobre. Ele diz que a fita está no Brasil e teria de ser embarcada para a Finlândia. No exato instante em que estou a ponto de dizer algo espirituoso sobre a introdução de tecnologia moderna no Hemisfério Sul, recebo uma mensagem eletrônica contendo a gravação do MST.
Embora seja longa, consigo encontrar o trecho utilizado na citação ameaçadora publicada no Helsingin Sanomat.
Está tudo claro, agora. João Paulo Rodrigues nada diz sobre o MST “provocar mais conflitos”. Ele apenas propõe uma trégua. Se a companhia aceitar retardar os planos de quadruplicação dos cultivos, haverá mais tempo para resolver as disputas de terra em andamento e os problemas ambientais. Do contrário, a situação vai se agravar, diz Rodrigues.
“O conflito no Rio Grande do Sul não tem a ver com a polícia militar. O conflito é sobre eucaliptos”, prossegue Rodrigues, na fita. “Ele terá sérias consequências ambientais”.
Publicamos as gravações e a tradução dos pontos principais no mesmo dia. Nas semanas seguintes, a fita será escutada pelo Helsingin Sanomat e pela Stora Enso. Ambas as partes publicam sua própria tradução do trecho. Ninguém é capaz de encontrar Rodrigues falando nada sobre provocar violência contra ninguém.
A Stora Enso não admite que mentiu. Em seu press-release, a companhia acusa todas as outras partes de mentir, mas não detalha as acusações.
Mais tarde, os repórteres do Helsingin Sanomat admitiram que realmente não haviam ouvido as fitas antes de escrever o artigo. Tinham confiado no relato de Lauri Peltonen sobre a conversa entre Pitkänen e Rodrigues.
Significa que o jornal publicou uma citação que obteve de Peltonen, sem mencionar que não ouviu a gravação e que a havia obtido de uma fonte não-isenta na disputa entre as duas partes. Depois da primeira publicação, a mentira foi repetidamente citada nas páginas do mesmo jornal, até que o debate finlandês finalmente chegou aos ouvidos de um ativista brasileiro.
É algo muito preocupante, por duas razões.
Primeiro: estamos testemunhando um lado mais sombrio da limpeza de imagem? Quando a direção da companhia está nos países nórdicos e os conflitos desagradáveis ocorrem no Sul do Brasil, é mais barato difamar os oponentes brasileiros na mídia nórdica do que desistir de projetos lucrativos porém questionáveis. É fácil travar uma luta desequilibrada. O que pode fazer um trabalhador rural brasileiro para limpar sua reputação na Europa, tendo de enfrentar todo o setor de ocmunicação de uma grande empresa?
Segunda razão: a checagem das fontes na mídia mainstream da Europa é tão frágil a ponto de tornar-se vulnerável a estratégias desavergonhadas como esta?
* Hanna Nikkanen é redatora-chefe de Fifi, um jornal electrónico finlandês, e jornalista de Voima, revista mensal alternativa. Hanna fala português
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Este texto, publicado no âmbito da parceria entre Outras Palavras e o Le Monde Diplomatique finlandês, é parte de um esforço para ampliar o debate sobre o modelo agrícola brasileiro, no mês em que o MST realiza uma série de manifestações em favor da reforma agrária.
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