Amizade nossa ele não queria acontecida simples, no comum, no encalço. Amizade dele, ele me dava. E amizade dada é amor. G. Rosa

domingo, 10 de julho de 2011

De como surgiram as palavras Pinga e água-ardente


Cachaça, cultura e prazer do Brasil.

Você sabia?


Antigamente, no Brasil, para se ter o melado, os escravos colocavam o caldo da cana-de-açúcar em um tacho e levavam-no ao fogo. Não podiam parar de mexer até que uma consistência cremosa surgisse. Porém um dia, cansados de tanto mexer e com serviços ainda por terminar, os escravos simplesmente pararam e o melado desandou.

O que fazer então? A saída que encontraram foi guardar o melado longe das vistas do feitor. No dia seguinte, encontraram o melado azedo fermentado. Não pensaram duas vezes e misturaram o tal melado azedo com o novo e levaram os dois ao fogo. Resultado: o "azedo" do melado antigo era álcool que aos poucos foi evaporando e formou no teto do engenho umas goteiras que pingavam constantemente. Era a cachaça já formada que pingava. Daí o nome "Pinga". Quando a pinga batia nas suas costas marcadas com as chibatadas dos feitores ardia muito, por isso deram o nome de "água-ardente".

Caindo em seus rostos escorrendo até a boca, os escravos perceberam que, com a tal goteira, ficavam alegres e com vontade de dançar. Sendo isso muito bom, sempre que queriam ficar alegres repetiam o processo.

Engenho-banguê em funcionamento, década de 1950.

Engenho Espadas, Pernambuco, Brasil.




Fonte: História contada no Museu do Homem do Nordeste.

Não basta somente beber, tem que conhecer!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Cacussos

Que poder de comunicação tem o Helder que onde chega encanta, agrada e ilumina ? Quem nos dera, esta comunicação harmoniosa  fossem compreensões que se  multiplicassem  pelo mundo. Certamente  a humanidade  teria menos sofrimento e talvez fosse menos  doloroso para se viver.


Helder é um jornalista português, um amigo do qual já falamos e publicamos aqui algumas de suas pérolas. Atualmente ele trabalha na África  de onde sempre nos manda notícias do cotidiano, como essa de agora.

Cacussos

O "restaurante" da Etelvina (Vina) à beira da estrada



A Vina é uma ternura de pessoa


Cacussos, Cuca e bússola para não perdermos o norte.


A fome apertava o estômago, a sede mais secava a garganta depois de uns bons trinta e tal quilómetros de picada, com muito pó, para chegarmos a Muxima, o Manuel Ricardo e eu. Dirigimo-nos ao pomposo Restaurante-pousada que, em dia feriado, estava fechado. Um velho guarda, Mário, solícito e sem nada para guardar, dispos-se a mostrar-nos um sítio onde podiamos encontrar de comer. Muxima, um lugar de culto, visitado por dezenas/centenas de pessoas por fim-de-semana, não tem um sítio "normal" para se tomar, sequer, um copo de cerveja. Devem estar todos à espera sei lá de quê.


Mário pôs-se a caminhar ao lado do carro para nos indicar, como deve ser, sem hipótese de erro, o caminho mais directo para a nossa salvação. E foi-nos levando para a aldeia de cubatas. É aqui, disse ele. Nem era preciso, Etelvina, a patroa do lugar, veio de imediato à minha janela e antes que eu dissesse alguma coisa ela, com um sorriso mais acolhedor do que todas as grades de Cuca do mundo, atira directa ao estômago: "Tenho cacussinhos fresquinhos acabados de chegar". E, pergunto já a salivar: "Tem cerveja bem geladinha?". "Tenho, muito geladinha". Assim mesmo, com todos os "inhos" em que nós portugueses somos exímios em expressar os nossos sentimentos.


Saimos do carro apressados para a sombra da cubata-restaurante, enquanto Mammy, uma menina de 20 anos, mãe e estudante, se apressava a tirar duas latas de Cuca bem "geladinhas". Claro, tivemos todo o gosto em convidar Mário para tomar uma, coisa que fez sem exigir insistência. Mário guarda as instalações de uma empresa estatal, nem percebi bem o que era. Esteve nove anos na guerra (a guerra civil angolana), correu o norte de Angola. Desmobilizado, regressou à sua Muxima. Bebeu a Cuca saboreando cada gole, conversando sobre os problemas da vida.

Etelvina aparece a perguntar se a cerveja estava bem ao nosso gosto. Que sim, claro, a sede era tanta e calor abafado da cobertura de zinco aceleraram bem o consumo, que até parecia que o precioso líquido se evaporava.

Por volta da terceira rodada, chegou Etelvina, a Vina, com magníficos "cacussinhos" (como ela ternamente chama àqueles peixinhos do rio Kwanza), acabados de assar nas brazas do velho fogareiro que tantas fomes já deve ter matado.

Numa pausa, Vina senta-se à nossa mesa para saber se estava tudo bem, se precisavamos de mais alguma coisa ao mesmo tempo que, cordial, me perguntava como eu me chamava. Chamo-me "Helder". "Helder??", responde ela com ar incrédulo, "eu tenho um sobrinho que se chama também Helder. Agora tu ficas meu sobrinho."

Num abraço feito de subita descoberta de um familiar longínquo e improvável, selamos uma amizade para o resto da vida, trocando números de telemóvel.

Publicada por Helder de Sousa

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Fatos e idéias: VERBOS NOVOS E HORRÍVEIS - Ricardo Freire

Procurava uma explicação para o  verbo  agora criado pela turma da OAB: PROTOCOLIZAR. Sou alguém conservador por demais e essa mudança de protocolar para protocolizar em mim causou uma certa irritabilidade ainda que sem razão,  mesmo por que, raramente eu "protocolizo" algum documento. Pois muito bem,  por conta dessa irritabilidade em mim, surgiriu-me uma amiga, que  eu lesse o texto abaixo que nele encontraria uma explicação que me ajudaria.Não é que o texto tem razão? Minha amiga também.


Fatos e idéias: verbos novos e horríveis

De Ricardo Freire


Não, por favor, nem tente me disponibilizar alguma coisa, que eu não quero. Não aceito nada que pessoas, empresas ou organizações me disponibilizem. É uma questão de princípios. Se você me oferecer, me der, me vender, me emprestar, talvez eu venha a topar. Até mesmo se você tornar disponível, quem sabe, eu aceite. Mas, se você insistir em disponibilizar, nada feito.



Caso você esteja contando comigo para operacionalizar algo, vou dizendo desde já: pode ir tirando seu cavalinho da chuva. Eu não operacionalizo nada para ninguém e nem compactuo com quem operacionalize. Se você quiser, eu monto, eu realizo, eu aplico, eu ponho em operação. Se você pedir com jeitinho, eu até implemento, mas operacionalizar, jamais.


O quê? Você quer que eu agilize isso para você? Lamento, mas eu não sei agilizar nada. Nunca agilizei. Está lá no meu currículo: faço tudo, menos agilizar. Precisando, eu apresso, eu priorizo, eu ponho na frente, eu dou um gás. Mas agilizar, desculpe, não posso, acho que matei essa aula.


Outro dia mesmo queriam reinicializar meu computador. Só por cima do meu cadáver virtual. Prefiro comprar um computador novo a reinicializar o antigo. Até porque eu desconfio que o problema não seja assim tão grave.


Em vez de reinicializar, talvez seja o caso de simplesmente reiniciar, e pronto.


Por falar nisso, é bom que você saiba que eu parei de utilizar. Assim, sem mais nem menos. Eu sei, é uma atitude um tanto radical da minha parte, mas eu não utilizo mais nada. Tenho consciência de que a cada dia que passa mais e mais pessoas estão utilizando, mas eu parei. Não utilizo mais.


Agora só uso. E recomendo. Se você soubesse como é mais elegante, também deixaria de utilizar e passaria a usar.


Sim, estou me associando à campanha nacional contra os verbos que acabam em "ilizar". Se nada for feito, daqui a pouco eles serão mais numerosos do que os terminados simplesmente em "ar". Todos os dias, os maus tradutores de livros de marketing e administração disponibilizam mais e mais termos infelizes, que imediatamente são operacionalizados pela mídia, reinicializando palavras que já existiam e eram perfeitamente claras e eufônicas.


A doença está tão disseminada que muitos verbos honestos, com currículo de ótimos serviços prestados, estão a ponto de cair em desgraça entre pessoas de ouvidos sensíveis. Depois que você fica alérgico a disponibilizar, como vai admitir, digamos, "viabilizar"?


É triste demorar tanto tempo para a gente se dar conta de que "desincompatibilizar" sempre foi um palavrão. Precisamos reparabilizar essas palavras que o pessoal inventabiliza só para complicabilizar. Caso contrário daqui a pouco nossos filhos vão pensabilizar que o certo é ficar se expressabilizando dessa maneira. Já posso até ouvir as reclamações:


"Você não vai me impedibilizar de falabilizar do jeito que eu bem quilibiliser".


Problema seu. Me inclua fora dessa.


"Não menos do que o saber, agrada-me duvidar."


Dante Alighieri (1265-1321

PUBLICADO EM:

http://juliocsartori.blogspot.com/2007/06/verbos-novos-e-horrveis-ricardo-freire.html?spref=bl

domingo, 3 de julho de 2011

A seca e o inverno



Na seca inclemente no nosso Nordeste

O sol é mais quente e o céu, mais azul

E o povo se achando sem chão e sem veste

Viaja à procura das terras do Sul


Porém quando chove tudo é riso e festa

O campo e a floresta prometem fartura

Escutam-se as notas alegres e graves

Dos cantos das aves louvando a natura


Alegre esvoaça e gargalha o jacu

Apita a nambu e geme a juriti

E a brisa farfalha por entre os verdores

Beijando os primores do meu Cariri


De noite notamos as graças eternas

Nas lindas lanternas de mil vaga-lumes

Na copa da mata os ramos embalam

E as flores exalam suaves perfumes


Se o dia desponta vem nova alegria

A gente aprecia o mais lindo compasso

Além do balido das lindas ovelhas

Enxames de abelhas zumbindo no espaço


E o forte caboclo da sua palhoça

No rumo da roça de marcha apressada

Vai cheio de vida sorrindo e contente

Lançar a semente na terra molhada


Das mãos deste bravo caboclo roceiro

Fiel prazenteiro modesto e feliz

É que o ouro branco sai para o processo

Fazer o progresso do nosso país.


Cordel de Patativa do Assaré, ilustrado por Joana Lira