Amizade nossa ele não queria acontecida simples, no comum, no encalço. Amizade dele, ele me dava. E amizade dada é amor. G. Rosa

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Cacussos

Que poder de comunicação tem o Helder que onde chega encanta, agrada e ilumina ? Quem nos dera, esta comunicação harmoniosa  fossem compreensões que se  multiplicassem  pelo mundo. Certamente  a humanidade  teria menos sofrimento e talvez fosse menos  doloroso para se viver.


Helder é um jornalista português, um amigo do qual já falamos e publicamos aqui algumas de suas pérolas. Atualmente ele trabalha na África  de onde sempre nos manda notícias do cotidiano, como essa de agora.

Cacussos

O "restaurante" da Etelvina (Vina) à beira da estrada



A Vina é uma ternura de pessoa


Cacussos, Cuca e bússola para não perdermos o norte.


A fome apertava o estômago, a sede mais secava a garganta depois de uns bons trinta e tal quilómetros de picada, com muito pó, para chegarmos a Muxima, o Manuel Ricardo e eu. Dirigimo-nos ao pomposo Restaurante-pousada que, em dia feriado, estava fechado. Um velho guarda, Mário, solícito e sem nada para guardar, dispos-se a mostrar-nos um sítio onde podiamos encontrar de comer. Muxima, um lugar de culto, visitado por dezenas/centenas de pessoas por fim-de-semana, não tem um sítio "normal" para se tomar, sequer, um copo de cerveja. Devem estar todos à espera sei lá de quê.


Mário pôs-se a caminhar ao lado do carro para nos indicar, como deve ser, sem hipótese de erro, o caminho mais directo para a nossa salvação. E foi-nos levando para a aldeia de cubatas. É aqui, disse ele. Nem era preciso, Etelvina, a patroa do lugar, veio de imediato à minha janela e antes que eu dissesse alguma coisa ela, com um sorriso mais acolhedor do que todas as grades de Cuca do mundo, atira directa ao estômago: "Tenho cacussinhos fresquinhos acabados de chegar". E, pergunto já a salivar: "Tem cerveja bem geladinha?". "Tenho, muito geladinha". Assim mesmo, com todos os "inhos" em que nós portugueses somos exímios em expressar os nossos sentimentos.


Saimos do carro apressados para a sombra da cubata-restaurante, enquanto Mammy, uma menina de 20 anos, mãe e estudante, se apressava a tirar duas latas de Cuca bem "geladinhas". Claro, tivemos todo o gosto em convidar Mário para tomar uma, coisa que fez sem exigir insistência. Mário guarda as instalações de uma empresa estatal, nem percebi bem o que era. Esteve nove anos na guerra (a guerra civil angolana), correu o norte de Angola. Desmobilizado, regressou à sua Muxima. Bebeu a Cuca saboreando cada gole, conversando sobre os problemas da vida.

Etelvina aparece a perguntar se a cerveja estava bem ao nosso gosto. Que sim, claro, a sede era tanta e calor abafado da cobertura de zinco aceleraram bem o consumo, que até parecia que o precioso líquido se evaporava.

Por volta da terceira rodada, chegou Etelvina, a Vina, com magníficos "cacussinhos" (como ela ternamente chama àqueles peixinhos do rio Kwanza), acabados de assar nas brazas do velho fogareiro que tantas fomes já deve ter matado.

Numa pausa, Vina senta-se à nossa mesa para saber se estava tudo bem, se precisavamos de mais alguma coisa ao mesmo tempo que, cordial, me perguntava como eu me chamava. Chamo-me "Helder". "Helder??", responde ela com ar incrédulo, "eu tenho um sobrinho que se chama também Helder. Agora tu ficas meu sobrinho."

Num abraço feito de subita descoberta de um familiar longínquo e improvável, selamos uma amizade para o resto da vida, trocando números de telemóvel.

Publicada por Helder de Sousa

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