Amizade nossa ele não queria acontecida simples, no comum, no encalço. Amizade dele, ele me dava. E amizade dada é amor. G. Rosa

terça-feira, 15 de junho de 2010

"Monagambé"

Para os brasileiros que  questionam as cotas nas universidades públicas, para os brasileiros que não descobriram ainda que aquele "pardo" que vem na sua certidão de nascimento quer dizer negro, para os que ainda insistem em romantisar o passado dos negros do Brasil e de Angola colonial, mando este vídeo . Um pequeno mas importante contributo: o autor deste lindíssimo poema, António Jacinto, foi o primeiro ministro da educação de Angola, pós independência. Era, ele europeu com alma de africano, o que prova que os sentimentos não são propriedade de povos ou raças.




Monangambé

Aquela roça grande


continua a não ter chuva

é o suor de outros rostos

que rega as plantações;

Aquela roça grande

ainda tem café maduro

e aquele vermelho-cereja

são gotas de outro sangue

feitas seiva.

O café vai ser torrado,

pisado, torturado,

continua a ser negro,

negro da cor do contratado.


Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que já não cantam,

aos regatos de alegre serpentear

e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo?

Quem vai à tonga?

Quem traz pela estrada longa

a tipóia ou o cacho de dendém?

Quem capina e em paga recebe desdém

fuba podre, peixe podre,

panos ruins, cinquenta kwanzas

"porrada se refilares"?

Quem?

Quem faz o milho crescer

e os laranjais florescer?

- Quem?

Quem dá dinheiro para o patrão comprar

máquinas, carros, senhoras

e cabeças de outros pretos

para os motores?

Quem faz o MPLA prosperar,

ter barriga grande

- ter dinheiro?

- Quem?

E as aves que cantam,

os regatos de alegre serpentear

e o vento forte do sertão

responderão:

- "Monangambééé..."

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras

Deixem-me beber maruvo

e esquecer diluído

nas minhas bebedeiras.

Nota: Poema original de António Jacinto. Monangambé   (O contratado) eram angolanos negros contratados para trabalhar nas roças dos brancos, na era colonial.

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