Amizade nossa ele não queria acontecida simples, no comum, no encalço. Amizade dele, ele me dava. E amizade dada é amor. G. Rosa

quinta-feira, 31 de março de 2011

Mas faça acontecer...

Ninguém mora onde não mora ninguém

Pequena reflexão sobre as pessoas abandonadas nas ruas das grandes cidades

Nas grandes cidades, pessoas que não têm onde morar são contraditoriamente chamadas de “moradores” de rua. É um eufemismo que acoberta o quadro da injustiça social típica das sociedades em fase de capitalismo selvagem, aquele no qual a eliminação do outro é a regra. Que tantos e cada vez mais vivam nas ruas é uma prova de que o famoso instinto gregário do ser humano se esfacela, ou assume formas cada vez mais enganadoras porquanto mais voláteis em uma sociedade que é, ao mesmo tempo, de massas e de indivíduos que não têm a menor noção do que significa o outro.

O aumento das relações virtuais em detrimento das relações “atuais” é a própria perversão das massas marcadas pela anulação física individual em nome de um eu abstrato, sustentado apenas como imagem, como avatar. E que tem como correspondente um outro reduzido à sua mera abstração. Há, certamente, exceções para a regra da distância com que o eu mede o outro.

Dizem as pesquisas que o número de pessoas vivendo sem teto cresceu nos últimos anos por causa do desemprego. E são milhares. Motivos além do desemprego podem confundir quanto ao sentido (e o sem sentido) da complexa experiência vivida por essas pessoas. Afinal, pode-se encontrar entre os que vivem nas ruas até mesmo quem não se sente em situação de injustiça social.

A população das ruas das grandes cidades é composta de habitantes (ou desabitantes) provisórios ou não, que estão ali por motivos diversos. Muitas vezes são afetivos. Não é raro encontrar ricas histórias de vida entre as pessoas sem morada, desde aquele que renunciou à vida burguesa por considerá-la insuportável, até quem por meio de inesperadas leituras filosóficas criou um significado para o ato de “habitar” a transitoriedade, ou seja, “desabitar” instransitivamente e estar assim, na mera existência.

Que não habitar uma casa possa significar uma experiência existencial é, no entanto, apenas a exceção que confirma a regra da contemporânea injustiça social a cuja base racional e afetiva tantos entregam as forças. Renunciar, desistir, jogar a toalha, permitir-se a impotência como o Bartleby, de Melville, ou o fracasso, como um dia afirmou J. L. Borges, pode ser o único modo de viver em um mundo marcado pela melancolia e pelo sem sentido em termos políticos, estéticos e metafísicos.

O cenário social contemporâneo é o espaço e o tempo dessa possibilidade de fracasso que diz respeito à potencialidade mais profunda de nossos tempos. É a forma mais terrível do mal, a da banalização que se estabelece na vida humana como força lógica. Como um “deixar acontecer” ao qual damos o nome de “abandono”, esse ato de exílio, de ostracismo, de curiosa rejeição sem ação. A mendicância das pessoas é apenas a verdade íntima do capitalismo como mendicância da própria política deixada a esmo em nome de antipolíticos interesses pessoais. A mendicância é a imagem social das escolas, dos hospitais públicos, do salário mínimo…

Democracia de teto e paredes

“Moradores de rua” são a figura mais perfeita do abandono que está no imo da devoração capitalista. Convive-se com eles nos bairros elegantes das cidades grandes como se fossem um estorvo ou, para quem pensa de um modo mais humanitário, como um problema social a ser resolvido filantropicamente. Alguns moram em lugares específicos, têm sua “própria” esquina, carregam objetos de uso aonde quer que vão, outros perambulam a esmo desaparecendo da vista de quem tem onde morar. São meras fantasmagorias aos olhos de quem não é capaz de supor sua alteridade. Esmagados pela contradição de morar onde não mora ninguém, não têm o direito de ser alguém. Partilham o deslugar. E, no entanto, praticam o mesmo que os outros dentro de suas casas: dormem, comem, fazem sexo. A condição humana é o que se divide por paredes ou na ausência delas. A democracia torna-se uma questão de nudez e exposição da vida íntima.

Ninguém “mora na rua”; antes, quem está na rua não mora. Quem está fora dos básicos direitos constitucionais está excluído da sociedade. E muito mais além da Constituição, está excluído pelo próprio status com que é medido. O status de “morador de rua” é apenas um modo de incluir os excluídos na ordem do discurso acobertadora do fascismo prático de cada dia oculto sob o véu da autista sensibilidade burguesa. Se o princípio de autoconservação a qualquer custo é a base da ação de indivíduos unidos na massa, está imediatamente perdida a dimensão do outro sem a qual não podemos dizer que haja ética ou política. Mesmo sob o status de morador de rua, o mendigo da nossa esquina é a prova do fracasso de todos os sistemas. Se as estatísticas não mudarem comprovando que a tendência da exceção pode ser a regra, talvez a democracia de teto e paredes não sirva mais a ninguém em breve. Só que às avessas.


Marcia Tiburi
 

terça-feira, 29 de março de 2011

PROVÉRBIOS I...

Comer



A cabeça com comer se endireita.


A(o) bom ou mau comer, três vezes beber.


Aquilo que não tens de comer deixa-o a cozer.


Bem está S. Pedro em Roma, se ele tem que coma.


Bem passa de guloso o que come o que não tem.


Bocado engolido, sabor perdido.


Bom é ter pai e mãe, mas comer e beber rapa tudo.


Cada um come do que faz.


Cada um come do que gosta.


Comamos e bebamos e nunca mais ralhamos.


Comamos e bebamos porque amanhã morreremos.


Come como são e beba como doente.


Come mais os olhos do que a barriga.


Come o que tens e não o que sonhas.


Come para viver, não vivas para comer.


Come pouco e bebe pouco, dormirás como louco.


Comei cá da panela que limpa é ela.


Come e folga... terás boa vida.

Quem não come por ter comido... não é doença de perigo.


Quem não é para comer... não é para trabalhar.


Quem não trabalha não come.


Quem bem come e bebe... bem faz o que deve.


Comer do bom e do barato nem no Crato.


Guarda  o que comer... não guardes o que fazer.


Guardado está o bocado para quem o há-de comer.


O comer e o coçar vai do começar.


Depois de comer cada qual dá o seu parecer.


Depois de comer, cuspir no prato.


É manha de Portugal: comer bem, beber bem e dizer mal.


Em casa de Maria Parda: uns comem tudo e outros nada.


Eu bem te dizia Maria que papas à noite faziam azia.


Farta-te gato que é dia de Entrudo.


Não comas quente, se não perderás o dente.


Não há banquete por mais rico, em que alguém não jante mal.


Não há festa sem comer.


Não há guerra de mais aparato que muitas mãos no mesmo prato.


Quem manda o apetite, paga a bolsa.


Quem come, dorme.


Quem muito come, muito caga.


Quem come fel, não pode cuspir mel.


Quem não é para comer, não é para o fazer.


Quem não se farta a comer, não se farta a beber.


Saúde come quem não tem a boca grande.


A caçar e a comer, não te fies no prazer.


À tua mesa e à alheia não te sentarás com a bexiga cheia.


A ceia quer-se sem sol, sem luz e sem moscas.


À hora de comer sempre o diabo traz mais um.


A hora de comer é a da fome.


A hora de comer é a menor.


Bem come o vilão se lhe dão.


Bem mal farás que andes e não comas.


Bocado comido não apanha amigo.


Não se pode fazer a par: comer e assoprar.


Ovelha que berra... «bocada» que perde.


Osso que acabes de comer não o voltes a roer.


A mulher conhece-se pelo comer, o homem pelo andar (ou pelo beber).


Guarda de comer e não de que fazer.


O abade donde canta daí janta.


O frade não dá o bem que lhe sabe.


Em casa deste home, quem não trabalha não come.


Anda quente, come pouco, bebe assaz e viverás.


Mais vale bom estômago que bom cozinheiro.


As migalhas de frade muitas vezes sabem bem.


O bom guisado abre a vontade de comer.


Ao pé de um bom estômago, coincidiu sempre uma boa alma.


Bem sabe o bom bocado, se não custasse caro.


Come menino, criar-te-ás, come velho, viverás.


Come pouco e bebe pouco: dormirás como louco


Come pouco, mas com frequência.


Come, que a hora de comer é a da fome.


Comer até adoecer, jejuar até sarar.


Governa a tua boca, conforme a tua bolsa.


Grande saber é: não escutar e comer


A boda e baptizado só vai quem é convidado.


A bom bocado... bom grito ou bom suspiro.

domingo, 27 de março de 2011

Alerta: BH poderá se transformar na Canudos do século atual

Ocupações Dandara, Camilo Torres e Irmã Doroty ameaçadas de despejo.


Massacre em Belo Horizonte?

Amigas/os da REDE DE SOLIDARIEDADE DAS OCUPAÇÕES-COMUNIDADES Dandara, Irmã Dorothy e Camilo Torres, de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

Vejam o vídeo, nos links, abaixo. Trata-se de um apelo por diálogo, justiça e solidariedade com as 1.200 famílias sem-teto das Comunidades Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy, que estão ameaçadas de Despejo.

Pedimos que divulguem este vídeo para os seus contatos nacionais e internacionais. Não podemos permitir que este massacre anunciado aconteça!

Estamos há mais de 2 anos reivindicando abertura de diálogo com o prefeito de Belo Horizonte, Sr. Márcio Lacerda, e com o Governador de Minas Gerais, Sr. Antonio Anastasia, mas em 18/03/2011, ficamos sabendo que estão determinados a autorizar a tropa de choque da polícia a tentar despejar na marra as mais de 6 mil pessoas pobres das três comunidades.

Alertamos: O povo não aceitará o despejo e vai seguir resistindo e lutando sempre pelos seus direitos. Estamos diante de uma encruzilhada: ou as autoridades se abrem para dialogar ou estaremos na iminência de um massacre de grandes proporções na capital mineira.

Clamamos PELA ABERTURA DE DIÁLOGO para que a dignidade de 1.200 famílias sem-teto seja respeitada.

Abaixo, assista ao vídeo-depoimento de Joviano Mayer que clama por diálogo e alerta para o grande risco: de massacre.

:


Veja o vídeo-depoimento de Joviano Mayer também no Canal do Forum Social Mundial:


Notícias importantes das 3 Comunidades:

1) Dia 21/03, houve celebração religiosa nas Comunidades Camilo Torres e Irmã Dorothy e Assembleia Geral, com as presenças do fotógrafo João Zinclar e frei Gilvander.

2) Dia 22/03, à noite houve celebração da missa nas Comunidades Camilo Torres e Irmã Dorothy, sob a presidência do padre Antônio, que está, juntamente com o povo da sua Paróquia, apoiando com firmeza as comunidades ameaçadas.

3) Nesta Semana está em Brasília uma Comissão das Comunidades Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy. Estão fazendo reuniões em Ministérios do Governo Federal e com parlamentares no Congresso Nacional reivindicando apoio e denunciando a grande injustiça que será despejar as 1.200 famílias.

4) Hoje, dia 23/03, às 20:00h, haverá Assembleia Geral da Comunidade Dandara, precedida de reunião da Coordenação da Comunidade.

5) Dias 26 e 27/3, haverá mutirões na Dandara e continuidade do novo cadastramento e visitas às famílias.

6) Dia 28/03, segunda-feira, às 9:00h, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na Comissão de Direitos Humanos, haverá Audiência Pública para tratar dos direitos das 3 comunidades, ora ameaçadas de despejo. A audiência será presidida pelo Dep. Durval Ângelo.

7) Dia 28/03, segunda-feira, às 16:30h, na Cidade Administrativa, haverá audiência de uma Comissão de Alto Nível com o Governador de Minas, Sr. Antonio Anastasia. Da reunião participarão o bispo dom Joaquim Mol, o deputado Durval Ângelo (presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG), o Dr. Luiz Cláudio (presidente da OAB/MG), o Dr. Alceu (Procurador Geral do Ministério Público de MG) e a Dra. Andréia (Defensora Geral da Defensoria Pública de MG).

Um abraço afetuoso. Gilvander Moreira, frei Carmelita.

E-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br

www.gilvander.org.br

www.twitter.com/gilvanderluis

skype: gilvander.


quarta-feira, 16 de março de 2011

DEPOIS DE MUITO AMOR

Arte de Edward Hopper

A mulher somente despreza quem ela amou demais. Não é qualquer homem que merece, não é qualquer pessoa. Pede uma longa história de convivência, tentativas e vindas, mutilações e desculpas. O desprezo surge após longo desespero. É quando o desespero cansa, quando a dúvida não reabre mais a ferida.

É possível desprezar pai e mãe, ex-esposa ou ex-marido, daquele que se esperava tanto. Não se pode sentir desprezo por um desconhecido, por um colega de trabalho, por um amigo recente. O desprezo demora toda a vida, é outra vida. É nossa incrível capacidade de transformar o ente familiar num sujeito anônimo.

Assim que se torna desprezo, é irreversível, não é uma opinião que se troca, um princípio que se aperfeiçoa. Incorpora-se ao nosso caráter.

Desprezo não recebe promoção, não decresce com o tempo. Não existe como convencer seu portador a largá-lo. Não é algo que dominamos, tampouco gera orgulho, nunca será um troféu que se põe na estante.

Desprezo é uma casa que não será novamente habitada. Uma casa em inventário. Uma casa que ocupa um espaço, mas não conta.

É a medida do que não foi feito, uma régua do deserto. A saudade mede a falta. O desprezo mede a ausência.

O desprezo não costuma acontecer na adolescência, fase em que nada realmente acaba e toda vela de aniversário ainda teima em acender. É reservado aos adultos, desconfio que deflagre a velhice; vem de um amor abandonado. Trata-se de um mergulho corajoso ao pântano de si, desaconselhável aos corações doces e puros, representa a mais aterrorizante e ameaçadora experiência.

Indica uma intimidade perdida, solitária, uma intimidade que se soltou da raiz do voo.

O desprezo é um ódio morto. É quando o ódio não é mais correspondido.

Não significa que se aceitou o passado, que se tolera o futuro; é uma desistência. Uma espécie de serenidade da indiferença. Não desencadeia retaliação, não se tem mais vontade de reclamar, não se tem mais gana para ofender. Supera a ideia de fim, é a abolição do início.

Não desejaria isso para nenhum homem. O desprezado é mais do que um fantasma. Não é que morreu, sequer nasceu; seu nascimento foi anulado, ele deixa de existir.

O desprezo é um amor além do amor, muito além do amor. Não há como voltar dele.


Fabrício Carpinejar‏