Amizade nossa ele não queria acontecida simples, no comum, no encalço. Amizade dele, ele me dava. E amizade dada é amor. G. Rosa

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sobre o Tempo, escreveu o meu amigo Helder:

Oh! TEMPO !!!!!




Que o tempo “passa depressa” todos nós sabemos, uns de forma cruel ao atingirem o fim da linha, outros em estado paulatino deixando “correr o tempo”, que é, como quem diz, “te preocupes ou não, o tempo passa na mesma”, 24 horas serão sempre 24 horas, ainda que possam ter mais uns segundos ou menos conforme os caprichos dos astros (ops, reparei agora que fiz uma frase mais longa que o habitual, deve ser por andar a ler o Caim do Saramago).

O tempo foi sempre um factor de importância fundamental na vida das pessoas, especialmente porque permite entabular interessantes e culturais conversas nos elevadores, quando a pessoa que entra, se encosta a um dos lados e se põe a olhar fixamente para a ponta dos pés, não se sabendo, se não usarmos o tempo como tema de degelo, se o companheiro ou a inesperada companheira de viagem ascendente – pode também ser descendente, mas prefiro a primeira – se ela baixou a cabeça por um passageiro acesso de timidez, ou se, menos prosaicamente, se deu conta de que tem os sapatos sujos.

A propósito de ascensores, elevadores ou lá o que são aquelas maquinetas imprevisíveis que nos podem deixar entalados entre dois pisos por mais de uma meia-hora, isto quando se tem sorte, há algo que me irrita solenemente e me faz “trepar” às paredes - nem que sejam do elevador - e que é quando o companheiro de viagem, ao entrar desajeitadamente no PISO ZERO com a mochila às costas, mala de computador numa mão e o telemóvel na outra, me pergunta delicadamente: “vai subir?”. Dá-me vontade de responder: “sim, sim, para cima”. Disfarço o desconforto. A única resposta que sou capaz de dar é ficar a olhar para o relógio e cronometrar os dolorosos segundos que a geringonça vai demorar a subir até ao destino de um dos dois. Seja qual for a medição, será sempre uma eternidade.

O tempo, sempre o tempo.

Por vezes, vem o tão tradicional quanto maior lugar-comum do mundo, na forma de conversa meteorológica: “parece que vai chover, o tempo está estranho”. Mas porque pecados terei eu que me preocupar com o raio desse tempo, se até estou fechado numa caixa de metal a resfolegar numa subida que nunca sei se terá final? Às vezes gostaria que não parasse, que fosse por aí acima e o meu relógio salvador de situações embaraçosas parasse e me ajudasse a esquecer a velocidade do tempo. É óbvio que o relógio pode parar as vezes que lhe der na real gana de máquina dependente duma pilha hermafrodita que não distingue o pólo positivo do negativo. Mas enfim. Todos os relógios do mundo podem parar, deixar de funcionar, ficarem mudos e quedos, não será por isso que o tempo pára. O que reforça a inutilidade do tema daquela famosa canção “Oh tempo, volta pra trás”.

O que é o tempo? Santo Agostinho, no ano 400, escreveu nas suas Confissões o seguinte: “Que é o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? (...) Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos; compreendemos também o que nos dizem quando nos falam dele. Que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.”

Angustia-me esta filosófica questão do tempo. Não o de “A Chuva e o bom tempo” do Jacques Prévert que, num dos seus habituais desafios ao bom senso preguiçoso, escreveu : “ j’ai pensé parfois mettre fin à mês jours, mais je n’ai pas su par lequel commencer” (pensei por vezes por fim aos meus dias mas não soube por qual deles começar). Não acompanho Prévert nessa ideia de ter pensado dar um fim aos meus dias (coitadinhos) sabendo de antemão que não saberia por qual deles começar. Isso seria, quiçá, querer protelar qualquer coisa, ganhar tempo, ou, simplesmente, lançar uma “boutade” e esperar as reacções. Além do mais, os meus dias fazem-me falta e quero vivê-los em todas as suas 24 horas.

Para isso confio nos relógios, nos pêndulos, nos metrónomos, nos tempos musicais, e em quaisquer outras formas de medir tempo. E até nem me preocupo nada em saber se cada minuto é igual ao outro, se cada um tem os mesmos sessenta segundos - se um não terá mais uns centésimos do que outro – e até me estou marimbando para o “isocronismo das oscilações do tempo” descoberto pelo amigo Galileu. Lembram-se ? Aquele teimoso que, mesmo condenado pela Igreja (nos idos do séc. XVI) por defender a teoria do heliocentrismo, segundo a qual a terra move-se em torno do Sol, reiterou, ainda que timidamente: “Eppur si muove”.

Me parece cada vez mais plausível a ideia de que nos andamos a enganar uns aos outros das mais variadas formas, usando os mais diversos meios. Não me refiro aos políticos que, esses, são naturalmente enganadores profissionais. São especialistas em “ganhar tempo”. Os mais chegados, os amigos até, aqueles que gostam de nos convencer de coisas que não têm verdadeiro suporte. Ou sou eu que não vislumbro onde eles querem chegar quando me dizem: “Eh pá, tás com bom aspecto, o tempo não passa por ti !!!”.

Não passa porque me entra por aqui a dentro, entranha-se pelos poros, instala-se soberano e provocador, desgasta por aqui, por ali. Deixar de usar relógio não resolve nada como já se viu mais atrás, o tempo não pára.

Há paliativos, lá isso há. Aqueles comprimidos. Os “health clubs”, botox não gosto, quando muito uma ida ao cirurgião plástico para esticar umas peles, não muito para não levantar a perna quando rir, ajudam a crer que “retardam o tempo”. Suspeito que é mais psicológico do que fisiológico.

“O tempo não passa por ti”. Pois, pois !!!!!! Tábem!!!

Vale o inesgotável Carlos Drummond de Andrade para me tirar das angústias, das incertezas, das dúvidas, no seu poema O TEMPO PASSA? NÃO PASSA, quando diz:


Não há tempo consumido


Nem tempo a economizar.


O tempo é todo vestido


De amor e tempo de amar.



Helder de Sousa

imagem de Mariliza Silva

Que bacana Sr Catazuca! Adorei...

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