Comer
A cabeça com comer se endireita.
A(o) bom ou mau comer, três vezes beber.
Aquilo que não tens de comer deixa-o a cozer.
Bem está S. Pedro em Roma, se ele tem que coma.
Bem passa de guloso o que come o que não tem.
Bocado engolido, sabor perdido.
Bom é ter pai e mãe, mas comer e beber rapa tudo.
Cada um come do que faz.
Cada um come do que gosta.
Comamos e bebamos e nunca mais ralhamos.
Comamos e bebamos porque amanhã morreremos.
Come como são e beba como doente.
Come mais os olhos do que a barriga.
Come o que tens e não o que sonhas.
Come para viver, não vivas para comer.
Come pouco e bebe pouco, dormirás como louco.
Comei cá da panela que limpa é ela.
Come e folga... terás boa vida.
Quem não come por ter comido... não é doença de perigo.
Quem não é para comer... não é para trabalhar.
Quem não trabalha não come.
Quem bem come e bebe... bem faz o que deve.
Comer do bom e do barato nem no Crato.
Guarda o que comer... não guardes o que fazer.
Guardado está o bocado para quem o há-de comer.
O comer e o coçar vai do começar.
Depois de comer cada qual dá o seu parecer.
Depois de comer, cuspir no prato.
É manha de Portugal: comer bem, beber bem e dizer mal.
Em casa de Maria Parda: uns comem tudo e outros nada.
Eu bem te dizia Maria que papas à noite faziam azia.
Farta-te gato que é dia de Entrudo.
Não comas quente, se não perderás o dente.
Não há banquete por mais rico, em que alguém não jante mal.
Não há festa sem comer.
Não há guerra de mais aparato que muitas mãos no mesmo prato.
Quem manda o apetite, paga a bolsa.
Quem come, dorme.
Quem muito come, muito caga.
Quem come fel, não pode cuspir mel.
Quem não é para comer, não é para o fazer.
Quem não se farta a comer, não se farta a beber.
Saúde come quem não tem a boca grande.
A caçar e a comer, não te fies no prazer.
À tua mesa e à alheia não te sentarás com a bexiga cheia.
A ceia quer-se sem sol, sem luz e sem moscas.
À hora de comer sempre o diabo traz mais um.
A hora de comer é a da fome.
A hora de comer é a menor.
Bem come o vilão se lhe dão.
Bem mal farás que andes e não comas.
Bocado comido não apanha amigo.
Não se pode fazer a par: comer e assoprar.
Ovelha que berra... «bocada» que perde.
Osso que acabes de comer não o voltes a roer.
A mulher conhece-se pelo comer, o homem pelo andar (ou pelo beber).
Guarda de comer e não de que fazer.
O abade donde canta daí janta.
O frade não dá o bem que lhe sabe.
Em casa deste home, quem não trabalha não come.
Anda quente, come pouco, bebe assaz e viverás.
Mais vale bom estômago que bom cozinheiro.
As migalhas de frade muitas vezes sabem bem.
O bom guisado abre a vontade de comer.
Ao pé de um bom estômago, coincidiu sempre uma boa alma.
Bem sabe o bom bocado, se não custasse caro.
Come menino, criar-te-ás, come velho, viverás.
Come pouco e bebe pouco: dormirás como louco
Come pouco, mas com frequência.
Come, que a hora de comer é a da fome.
Comer até adoecer, jejuar até sarar.
Governa a tua boca, conforme a tua bolsa.
Grande saber é: não escutar e comer
A boda e baptizado só vai quem é convidado.
A bom bocado... bom grito ou bom suspiro.
AQUI SE CRUZARÃO CAUSOS, DESABAFOS, COMENTÁRIOS, UNS DEDIN DE PROSA, BREJEIRICES, QUIÇÁ UMA OU OUTRA PARLENDA; MOMENTOS ALEGRES, OUTROS NEM TANTO; MOMENTOS POÉTICOS, OUTROS MAIS POLÍTICOS E MUITAS, MAS MESMO MUITAS GAIATICES. ENFIM, CRUZAR-SE-ÃO OS NOSSOS PONTOS DE VISTA OU NÃO!
Amizade nossa ele não queria acontecida simples, no comum, no encalço. Amizade dele, ele me dava. E amizade dada é amor. G. Rosa
terça-feira, 29 de março de 2011
domingo, 27 de março de 2011
Alerta: BH poderá se transformar na Canudos do século atual
Ocupações Dandara, Camilo Torres e Irmã Doroty ameaçadas de despejo.
Massacre em Belo Horizonte?
Amigas/os da REDE DE SOLIDARIEDADE DAS OCUPAÇÕES-COMUNIDADES Dandara, Irmã Dorothy e Camilo Torres, de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
Vejam o vídeo, nos links, abaixo. Trata-se de um apelo por diálogo, justiça e solidariedade com as 1.200 famílias sem-teto das Comunidades Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy, que estão ameaçadas de Despejo.
Pedimos que divulguem este vídeo para os seus contatos nacionais e internacionais. Não podemos permitir que este massacre anunciado aconteça!
Estamos há mais de 2 anos reivindicando abertura de diálogo com o prefeito de Belo Horizonte, Sr. Márcio Lacerda, e com o Governador de Minas Gerais, Sr. Antonio Anastasia, mas em 18/03/2011, ficamos sabendo que estão determinados a autorizar a tropa de choque da polícia a tentar despejar na marra as mais de 6 mil pessoas pobres das três comunidades.
Alertamos: O povo não aceitará o despejo e vai seguir resistindo e lutando sempre pelos seus direitos. Estamos diante de uma encruzilhada: ou as autoridades se abrem para dialogar ou estaremos na iminência de um massacre de grandes proporções na capital mineira.
Clamamos PELA ABERTURA DE DIÁLOGO para que a dignidade de 1.200 famílias sem-teto seja respeitada.
Abaixo, assista ao vídeo-depoimento de Joviano Mayer que clama por diálogo e alerta para o grande risco: de massacre.
:
Veja o vídeo-depoimento de Joviano Mayer também no Canal do Forum Social Mundial:
Notícias importantes das 3 Comunidades:
1) Dia 21/03, houve celebração religiosa nas Comunidades Camilo Torres e Irmã Dorothy e Assembleia Geral, com as presenças do fotógrafo João Zinclar e frei Gilvander.
2) Dia 22/03, à noite houve celebração da missa nas Comunidades Camilo Torres e Irmã Dorothy, sob a presidência do padre Antônio, que está, juntamente com o povo da sua Paróquia, apoiando com firmeza as comunidades ameaçadas.
3) Nesta Semana está em Brasília uma Comissão das Comunidades Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy. Estão fazendo reuniões em Ministérios do Governo Federal e com parlamentares no Congresso Nacional reivindicando apoio e denunciando a grande injustiça que será despejar as 1.200 famílias.
4) Hoje, dia 23/03, às 20:00h, haverá Assembleia Geral da Comunidade Dandara, precedida de reunião da Coordenação da Comunidade.
5) Dias 26 e 27/3, haverá mutirões na Dandara e continuidade do novo cadastramento e visitas às famílias.
6) Dia 28/03, segunda-feira, às 9:00h, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na Comissão de Direitos Humanos, haverá Audiência Pública para tratar dos direitos das 3 comunidades, ora ameaçadas de despejo. A audiência será presidida pelo Dep. Durval Ângelo.
7) Dia 28/03, segunda-feira, às 16:30h, na Cidade Administrativa, haverá audiência de uma Comissão de Alto Nível com o Governador de Minas, Sr. Antonio Anastasia. Da reunião participarão o bispo dom Joaquim Mol, o deputado Durval Ângelo (presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG), o Dr. Luiz Cláudio (presidente da OAB/MG), o Dr. Alceu (Procurador Geral do Ministério Público de MG) e a Dra. Andréia (Defensora Geral da Defensoria Pública de MG).
Um abraço afetuoso. Gilvander Moreira, frei Carmelita.
E-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
www.gilvander.org.br
www.twitter.com/gilvanderluis
skype: gilvander.
quarta-feira, 16 de março de 2011
DEPOIS DE MUITO AMOR
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Arte de Edward Hopper |
A mulher somente despreza quem ela amou demais. Não é qualquer homem que merece, não é qualquer pessoa. Pede uma longa história de convivência, tentativas e vindas, mutilações e desculpas. O desprezo surge após longo desespero. É quando o desespero cansa, quando a dúvida não reabre mais a ferida.
É possível desprezar pai e mãe, ex-esposa ou ex-marido, daquele que se esperava tanto. Não se pode sentir desprezo por um desconhecido, por um colega de trabalho, por um amigo recente. O desprezo demora toda a vida, é outra vida. É nossa incrível capacidade de transformar o ente familiar num sujeito anônimo.
Assim que se torna desprezo, é irreversível, não é uma opinião que se troca, um princípio que se aperfeiçoa. Incorpora-se ao nosso caráter.
Desprezo não recebe promoção, não decresce com o tempo. Não existe como convencer seu portador a largá-lo. Não é algo que dominamos, tampouco gera orgulho, nunca será um troféu que se põe na estante.
Desprezo é uma casa que não será novamente habitada. Uma casa em inventário. Uma casa que ocupa um espaço, mas não conta.
É a medida do que não foi feito, uma régua do deserto. A saudade mede a falta. O desprezo mede a ausência.
O desprezo não costuma acontecer na adolescência, fase em que nada realmente acaba e toda vela de aniversário ainda teima em acender. É reservado aos adultos, desconfio que deflagre a velhice; vem de um amor abandonado. Trata-se de um mergulho corajoso ao pântano de si, desaconselhável aos corações doces e puros, representa a mais aterrorizante e ameaçadora experiência.
Indica uma intimidade perdida, solitária, uma intimidade que se soltou da raiz do voo.
O desprezo é um ódio morto. É quando o ódio não é mais correspondido.
Não significa que se aceitou o passado, que se tolera o futuro; é uma desistência. Uma espécie de serenidade da indiferença. Não desencadeia retaliação, não se tem mais vontade de reclamar, não se tem mais gana para ofender. Supera a ideia de fim, é a abolição do início.
Não desejaria isso para nenhum homem. O desprezado é mais do que um fantasma. Não é que morreu, sequer nasceu; seu nascimento foi anulado, ele deixa de existir.
O desprezo é um amor além do amor, muito além do amor. Não há como voltar dele.
sexta-feira, 11 de março de 2011
domingo, 27 de fevereiro de 2011
Sempre se conhece um desses...
POBRE POR DENTRO, POBRE POR FORA
Ao falarmos em pobreza, sem dúvida alguma, o que nos vem à nossa mente imediatamente é a pobreza material, aquela pobreza que se evidencia diante dos incontáveis quadros de miséria humana que vemos quase que diariamente em nossos noticiários de tv ou em nossa cidade nos nossos trajetos rotineiros. A esse pobre, dou o nome de POBRE POR FORA, aquele que ainda não atingiu um patamar mínimo de condição material para viver uma vida digna.
Mas o que venho aqui ressaltar é algo mais profundo, algo que ultrapassa os limites da percepção visual. O POBRE POR DENTRO muitas vezes se apresenta em roupas de grife, em carros importados, ou mesmo em trajes simples. Essa pobreza não distingue classes sociais, raça, sexo ou etnia, ela pode se dar em qualquer meio, pode se expressar em qualquer ambiente, embora alguns (como o trânsito, por exemplo) sejam mais propícios à sua aparição. O POBRE POR DENTRO possui uma pobreza de espírito, ele é aquele que busca sempre se dar bem em detrimento dos outros, aquele que nunca está preocupado com o próximo nem com as conseqüências de seus atos, que consegue enxergar unicamente a si mesmo, que não respeita regras de convivência por não ter nenhum compromisso com o bem estar alheio, é aquele que desmerece uma amizade antiga em prol do dinheiro, aquele que não respeita o próximo no trânsito, nas filas e em nenhum outro lugar de convivência humana, enfim, um lixo de pessoa que não faz jus à dádiva da vida que lhe foi dada por Deus. Para "pessoas" como estas, solidariedade, amizade, amor, próximo, bondade, respeito e compaixão, não passam de meras palavras. É necessário que cada um de nós faça uma reflexão sobre nossa ação diariamente, buscarmos os pontos nos quais podemos melhorar lembrarmo-nos de fazer bem ao próximo e nos despirmos de um egoísmo insano, que só o mal traz como retorno para as nossas vidas.
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
POBRES DOS NOSSOS RICOS (Mia Couto)
*Ricos ou endinheirados?
Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro» dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele. A verdade é esta: são demasiado pobres os nossos “ricos”. Aquilo que têm, não detêm. Pior, aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros. É produto de roubo e de negociatas. Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram. Vivem na obsessão de poderem ser roubados.
Necessitariam de forças policiais à altura. Mas forças policiais à altura acabariam por os lançar a eles próprios na cadeia. Necessitariam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade. Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem.
(...) O Mercedes e o BMW não podem fazer inteiro uso dos seus brilhos, ocupados que estão em se esquivar entre chapas muito convexos e estradas muito côncavas. A existência de estradas boas dependeria de outro tipo de riqueza Uma riqueza que servisse a cidade. E a riqueza dos nossos novos-ricos nasceu de um movimento contrário: do empobrecimento da cidade e da sociedade.
As casas de luxo dos nossos falsos ricos são menos para serem habitadas do que para serem vistas. Fizeram-se para os olhos de quem passa. Mas ao exibirem-se, assim, cheias de folhos e chibantices, acabam atraindo alheias cobiças. O fausto das residências chama grades, vedações electrificadas e guardas privados. Mas por mais guardas que tenham à porta, os nossos pobres-ricos não afastam o receio das invejas e dos feitiços que essas invejas convocam.
Coitados dos novos ricos. São como a cerveja tirada à pressão. São feitos num instante mas a maior parte é só espuma. O que resta de verdadeiro é mais o copo que o conteúdo. Podiam criar gado ou vegetais. Mas não. Em vez disso, os nossos endinheirados feitos sob pressão criam amantes. Mas as amantes (e/ou os amantes) têm um grave inconveniente: necessitam ser sustentados com dispendiosos mimos. O maior inconveniente é ainda a ausência de garantia do produto. A amante de um pode ser, amanhã, amante de outro. O coração do criador de amantes não tem sossego: quem traiu sabe que pode ser traído.
Os nossos endinheirados-às-pressas não se sentem bem na sua própria pele. Aspiram ser outros, distantes da sua origem, da sua condição. E lá estão eles imitando os outros, assimilando os tiques dos verdadeiros ricos de lugares verdadeiramente ricos. Mas os nossos candidatos a homens de negócios não são capazes de resolver o mais simples dos dilemas: podem comprar aparências, mas não podem comprar o respeito e o afecto dos outros. Esses outros que os vêem passear-se nos mal-explicados luxos. Esses outros que reconhecem neles uma tradução de uma mentira. A nossa elite endinheirada não é uma elite: é uma falsificação, uma imitação apressada.
A luta de libertação nacional guiou-se por um princípio moral: não se pretendia substituir uma elite exploradora por outra, mesmo sendo de uma outra raça. Não se queria uma simples mudança de turno nos opressores. Estamos hoje no limiar de uma decisão: quem faremos jogar no combate pelo desenvolvimento? Serão estes que nos vão representar nesse relvado chamado “a luta pelo progresso”? Os nossos novos ricos (que nem sabem explicar a proveniência dos seus dinheiros) já se tomam a si mesmos como suplentes, ansiosos pelo seu turno na pilhagem do país.
São nacionais mas só na aparência. Porque estão prontos a serem moleques de outros, estrangeiros. Desde que lhes agitem com suficientes atractivos irão vendendo o pouco que nos resta. Alguns dos nossos endinheirados não se afastam muito dos miúdos que pedem para guardar carros. Os novos candidatos a poderosos pedem para ficar a guardar o país. A comunidade doadora pode ir ás compras ou almoçar à vontade que eles ficam a tomar conta da nação. Os nossos ricos dão uma imagem infantil de quem somos. Parecem crianças que entraram numa loja de rebuçados. Derretem-se perante o fascínio de uns bens de ostentação.
Servem-se do erário público como se fosse a sua panela pessoal. Envergonha-nos a sua arrogância, a sua falta de cultura, o seu desprezo pelo povo, a sua atitude elitista para com a pobreza. Como eu sonhava que *Angola tivesse ricos de riqueza verdadeira e de proveniência limpa! Ricos que gostassem do seu povo e defendessem o seu país. Ricos que criassem riqueza. Que criassem emprego e desenvolvessem a economia. Que respeitassem as regras do jogo. Numa palavra, ricos que nos enriquecessem.
Mia Couto in SAVANA
13.12.2003
Qualquer semelhança será apenas mera... mera coincidência.
domingo, 6 de fevereiro de 2011
Vinícius o poeta das paixões.
Revisitando as paixões de Vinícius de Moraes
-- Vinícius e Gilda -- |
Não lembro mais exatamente por que razão andei um dia desses relendo a biografia aliás excelente de Vinícius de Moraes escrita por José Castello, O Poeta da Paixão (2005). Vinícius, sobre ser um dos nomes mais importantes da cultura brasileira na segunda metade do século passado, foi um desses artistas integrais que fazem da própria vida parte visceral da arte que produzem – ou vice versa, pouco importa. São, por assim dizer, artistas do lado de dentro e do lado de fora da pele. Vivem poeticamente, o que na maioria das vezes, considerando os homens comuns que quase todos somos, quer dizer irresponsavelmente. Nem todos são assim. Dois dos nossos maiores nomes, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, só eram artistas no que escreviam.. Ambos servidores públicos exemplares, levaram uma vidinha chocha, protegidos no que, a propósito do primeiro, Mário de Andrade chamou de “funcionarismo garantido”. (Atenção, senhor revisor: “funcionarismo” – foi assim que Mário escreveu!)
Vinícius, não. Funcionário concursado do Itamaraty, foi demitido pelo regime militar, mas não exatamente porque fosse um subversivo. Ainda que o estilo dissoluto de vida que levava não agradasse aos sisudos generais brasileiros que, aliás, naqueles tempos botocudos não precisavam de grandes razões para expulsar da administração pública quem desejassem , a verdade é que o querido “Poetinha” deu carradas de razões jurídicas para ser expelido do Ministério das Relações Exteriores: simplesmente não comparecia ao batente. Conta uma versão apócrifa que o general Costa e Silva teria dado no seu processo de demissão um despacho impublicável: “Ponha-se esse vagabundo para trabalhar”. Vai ver que é lenda. Mas, como disse aquele personagem num filme clássico de John Ford, quando a lenda é mais interessante do que a prosaica verdade, publica-se a lenda! A ser verdade, aliás, Vinícius certamente teria morrido de rir e, sem opção, aceitou o veredicto: pôs-se a trabalhar. E que obra produziu! Mas percebo que cheguei ao meio do artigo e não entrei no assunto anunciado no título. Vamos lá!
Em algum momento da leitura do livro de José Castello alguma coisa me incomodou: o excessivo “idealismo”, por assim dizer, com que o autor trata a antológica paixão de Vinícius pelas mulheres. Figuras como ele costumam gerar um fenômeno curioso que talvez não seja correto qualificar como mal entendido, mas que, em todo caso, contém elementos que dele se aproximam: as pessoas costumam tolerar e até admirar em personagens de exceção aquilo que não suportariam no universo das pessoas comuns de que fazem parte. Provavelmente a psicanálise teria alguma coisa a dizer sobre o assunto, mas já gastei muito latim até aqui e não posso me perder de novo. Volto assim ao tema das paixões do “Poetinha” pelas mulheres. Ah, as mulheres! Não conheço uma que não se derreta com o “Soneto da Fidelidade”: “De tudo / Ao meu amor serei atento” etc. etc. Pois bem. Todas elas gostariam que seus homens fossem eternos “vinícius”, esquecendo que o próprio, como homem, foi sempre um prosaico “finícius”!
Ih… Acho que exagerei num jogo de palavras forçado. Mas, como dizia, incomodou-me a aura de mistério com que José Castello cerca as paixões do poeta, ao falar do “amor como enigma”, do “amor como a mais irracional das razões” e por aí vai. Francamente, não vejo nada disso. Acho que essas palavras altissonantes atribuem grandeza ao que é simples desejo literalmente (e, juro, sem nenhuma intenção pejorativa) baixo do lado de baixo da cintura, quero dizer. Além disso, nada misterioso, porque regular. Em determinado momento da minha releitura pus-me a catalogar a idade das nove mulheres com quem Vinícius casou. Um sociólogo, para irritação nossa, se deliciaria com os resultados a que cheguei. Tati: sem informação (mas devia ser mais ou menos da mesma idade, porque eram ambos igualmente jovens e foi seu primeiro casamento); Regina: 9 anos mais jovem; Lila: 18 anos mais jovem; Lucinha: sem informação; Nelita: 30 anos mais jovem; Cristina: 26 anos mais jovem; Gesse: 26 anos mais jovem; Martita: “quase” 40 anos de diferença; e, finalmente, Gilda – idade para ser a neta…
Vamos e venhamos, irritado e incomodado leitor: onde está o mistério? Mistério é se ele tivesse se apaixonado por Dercy Gonçalves!
por Luciano Oliveira
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