Amizade nossa ele não queria acontecida simples, no comum, no encalço. Amizade dele, ele me dava. E amizade dada é amor. G. Rosa

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Sempre se conhece um desses...

POBRE POR DENTRO, POBRE POR FORA

Ao falarmos em pobreza, sem dúvida alguma, o que nos vem à nossa mente imediatamente é a pobreza material, aquela pobreza que se evidencia diante dos incontáveis quadros de miséria humana que vemos quase que diariamente em nossos noticiários de tv ou em nossa cidade nos nossos trajetos rotineiros. A esse pobre, dou o nome de POBRE POR FORA, aquele que ainda não atingiu um patamar mínimo de condição material para viver uma vida digna.

Mas o que venho aqui ressaltar é algo mais profundo, algo que ultrapassa os limites da percepção visual. O POBRE POR DENTRO muitas vezes se apresenta em roupas de grife, em carros importados, ou mesmo em trajes simples. Essa pobreza não distingue classes sociais, raça, sexo ou etnia, ela pode se dar em qualquer meio, pode se expressar em qualquer ambiente, embora alguns (como o trânsito, por exemplo) sejam mais propícios à sua aparição. O POBRE POR DENTRO possui uma pobreza de espírito, ele é aquele que busca sempre se dar bem em detrimento dos outros, aquele que nunca está preocupado com o próximo nem com as conseqüências de seus atos, que consegue enxergar unicamente a si mesmo, que não respeita regras de convivência por não ter nenhum compromisso com o bem estar alheio, é aquele que desmerece uma amizade antiga em prol do dinheiro, aquele que não respeita o próximo no trânsito, nas filas e em nenhum outro lugar de convivência humana, enfim, um lixo de pessoa que não faz jus à dádiva da vida que lhe foi dada por Deus. Para "pessoas" como estas, solidariedade, amizade, amor, próximo, bondade, respeito e compaixão, não passam de meras palavras. É necessário que cada um de nós faça uma reflexão sobre nossa ação diariamente, buscarmos os pontos nos quais podemos melhorar lembrarmo-nos de fazer bem ao próximo e nos despirmos de um egoísmo insano, que só o mal traz como retorno para as nossas vidas.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

POBRES DOS NOSSOS RICOS (Mia Couto)

*Ricos ou endinheirados?

Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro» dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele. A verdade é esta: são demasiado pobres os nossos “ricos”. Aquilo que têm, não detêm. Pior, aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros. É produto de roubo e de negociatas. Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram. Vivem na obsessão de poderem ser roubados.

Necessitariam de forças policiais à altura. Mas forças policiais à altura acabariam por os lançar a eles próprios na cadeia. Necessitariam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade. Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem.

(...) O Mercedes e o BMW não podem fazer inteiro uso dos seus brilhos, ocupados que estão em se esquivar entre chapas muito convexos e estradas muito côncavas. A existência de estradas boas dependeria de outro tipo de riqueza Uma riqueza que servisse a cidade. E a riqueza dos nossos novos-ricos nasceu de um movimento contrário: do empobrecimento da cidade e da sociedade.

As casas de luxo dos nossos falsos ricos são menos para serem habitadas do que para serem vistas. Fizeram-se para os olhos de quem passa. Mas ao exibirem-se, assim, cheias de folhos e chibantices, acabam atraindo alheias cobiças. O fausto das residências chama grades, vedações electrificadas e guardas privados. Mas por mais guardas que tenham à porta, os nossos pobres-ricos não afastam o receio das invejas e dos feitiços que essas invejas convocam.

Coitados dos novos ricos. São como a cerveja tirada à pressão. São feitos num instante mas a maior parte é só espuma. O que resta de verdadeiro é mais o copo que o conteúdo. Podiam criar gado ou vegetais. Mas não. Em vez disso, os nossos endinheirados feitos sob pressão criam amantes. Mas as amantes (e/ou os amantes) têm um grave inconveniente: necessitam ser sustentados com dispendiosos mimos. O maior inconveniente é ainda a ausência de garantia do produto. A amante de um pode ser, amanhã, amante de outro. O coração do criador de amantes não tem sossego: quem traiu sabe que pode ser traído.

Os nossos endinheirados-às-pressas não se sentem bem na sua própria pele. Aspiram ser outros, distantes da sua origem, da sua condição. E lá estão eles imitando os outros, assimilando os tiques dos verdadeiros ricos de lugares verdadeiramente ricos. Mas os nossos candidatos a homens de negócios não são capazes de resolver o mais simples dos dilemas: podem comprar aparências, mas não podem comprar o respeito e o afecto dos outros. Esses outros que os vêem passear-se nos mal-explicados luxos. Esses outros que reconhecem neles uma tradução de uma mentira. A nossa elite endinheirada não é uma elite: é uma falsificação, uma imitação apressada.

A luta de libertação nacional guiou-se por um princípio moral: não se pretendia substituir uma elite exploradora por outra, mesmo sendo de uma outra raça. Não se queria uma simples mudança de turno nos opressores. Estamos hoje no limiar de uma decisão: quem faremos jogar no combate pelo desenvolvimento? Serão estes que nos vão representar nesse relvado chamado “a luta pelo progresso”? Os nossos novos ricos (que nem sabem explicar a proveniência dos seus dinheiros) já se tomam a si mesmos como suplentes, ansiosos pelo seu turno na pilhagem do país.

São nacionais mas só na aparência. Porque estão prontos a serem moleques de outros, estrangeiros. Desde que lhes agitem com suficientes atractivos irão vendendo o pouco que nos resta. Alguns dos nossos endinheirados não se afastam muito dos miúdos que pedem para guardar carros. Os novos candidatos a poderosos pedem para ficar a guardar o país. A comunidade doadora pode ir ás compras ou almoçar à vontade que eles ficam a tomar conta da nação. Os nossos ricos dão uma imagem infantil de quem somos. Parecem crianças que entraram numa loja de rebuçados. Derretem-se perante o fascínio de uns bens de ostentação.

Servem-se do erário público como se fosse a sua panela pessoal. Envergonha-nos a sua arrogância, a sua falta de cultura, o seu desprezo pelo povo, a sua atitude elitista para com a pobreza. Como eu sonhava que *Angola tivesse ricos de riqueza verdadeira e de proveniência limpa! Ricos que gostassem do seu povo e defendessem o seu país. Ricos que criassem riqueza. Que criassem emprego e desenvolvessem a economia. Que respeitassem as regras do jogo. Numa palavra, ricos que nos enriquecessem.

Mia Couto in SAVANA

13.12.2003

Qualquer semelhança será apenas mera... mera coincidência.






















domingo, 6 de fevereiro de 2011

Vinícius o poeta das paixões.

Revisitando as paixões de Vinícius de Moraes

-- Vinícius e Gilda --



Não lembro mais exatamente por que razão andei um dia desses relendo a biografia  aliás excelente  de Vinícius de Moraes escrita por José Castello, O Poeta da Paixão (2005). Vinícius, sobre ser um dos nomes mais importantes da cultura brasileira na segunda metade do século passado, foi um desses artistas integrais que fazem da própria vida parte visceral da arte que produzem – ou vice versa, pouco importa. São, por assim dizer, artistas do lado de dentro e do lado de fora da pele. Vivem poeticamente, o que na maioria das vezes, considerando os homens comuns que quase todos somos, quer dizer irresponsavelmente. Nem todos são assim. Dois dos nossos maiores nomes, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, só eram artistas no que escreviam.. Ambos servidores públicos exemplares, levaram uma vidinha chocha, protegidos no que, a propósito do primeiro, Mário de Andrade chamou de “funcionarismo garantido”. (Atenção, senhor revisor: “funcionarismo” – foi assim que Mário escreveu!)

Vinícius, não. Funcionário concursado do Itamaraty, foi demitido pelo regime militar, mas não exatamente porque fosse um subversivo. Ainda que o estilo dissoluto de vida que levava não agradasse aos sisudos generais brasileiros  que, aliás, naqueles tempos botocudos não precisavam de grandes razões para expulsar da administração pública quem desejassem , a verdade é que o querido “Poetinha” deu carradas de razões jurídicas para ser expelido do Ministério das Relações Exteriores: simplesmente não comparecia ao batente. Conta uma versão apócrifa que o general Costa e Silva teria dado no seu processo de demissão um despacho impublicável: “Ponha-se esse vagabundo para trabalhar”. Vai ver que é lenda. Mas, como disse aquele personagem num filme clássico de John Ford, quando a lenda é mais interessante do que a prosaica verdade, publica-se a lenda! A ser verdade, aliás, Vinícius certamente teria morrido de rir  e, sem opção, aceitou o veredicto: pôs-se a trabalhar. E que obra produziu! Mas percebo que cheguei ao meio do artigo e não entrei no assunto anunciado no título. Vamos lá!

Em algum momento da leitura do livro de José Castello alguma coisa me incomodou: o excessivo “idealismo”, por assim dizer, com que o autor trata a antológica paixão de Vinícius pelas mulheres. Figuras como ele costumam gerar um fenômeno curioso que talvez não seja correto qualificar como mal entendido, mas que, em todo caso, contém elementos que dele se aproximam: as pessoas costumam tolerar e até admirar em personagens de exceção aquilo que não suportariam no universo das pessoas comuns de que fazem parte. Provavelmente a psicanálise teria alguma coisa a dizer sobre o assunto, mas já gastei muito latim até aqui e não posso me perder de novo. Volto assim ao tema das paixões do “Poetinha” pelas mulheres. Ah, as mulheres! Não conheço uma que não se derreta com o “Soneto da Fidelidade”: “De tudo / Ao meu amor serei atento” etc. etc. Pois bem. Todas elas gostariam que seus homens fossem eternos “vinícius”, esquecendo que o próprio, como homem, foi sempre um prosaico “finícius”!

Ih… Acho que exagerei num jogo de palavras forçado. Mas, como dizia, incomodou-me a aura de mistério com que José Castello cerca as paixões do poeta, ao falar do “amor como enigma”, do “amor como a mais irracional das razões”  e por aí vai. Francamente, não vejo nada disso. Acho que essas palavras altissonantes atribuem grandeza ao que é simples desejo literalmente (e, juro, sem nenhuma intenção pejorativa) baixo  do lado de baixo da cintura, quero dizer. Além disso, nada misterioso, porque regular. Em determinado momento da minha releitura pus-me a catalogar a idade das nove mulheres com quem Vinícius casou. Um sociólogo, para irritação nossa, se deliciaria com os resultados a que cheguei. Tati: sem informação (mas devia ser mais ou menos da mesma idade, porque eram ambos igualmente jovens e foi seu primeiro casamento); Regina: 9 anos mais jovem; Lila: 18 anos mais jovem; Lucinha: sem informação; Nelita: 30 anos mais jovem; Cristina: 26 anos mais jovem; Gesse: 26 anos mais jovem; Martita: “quase” 40 anos de diferença; e, finalmente, Gilda – idade para ser a neta…

Vamos e venhamos, irritado e incomodado leitor: onde está o mistério? Mistério é se ele tivesse se apaixonado por Dercy Gonçalves!

por Luciano Oliveira